sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Resquícios 'in memorian'

Parecia que quem estava indo para a forca era eu. Aquele choro contido, lágrimas que escoriam pelos olhos sem que pudesse evitar, a dor no peito, frio e calor ao mesmo tempo, angústia, remorso. Vou embora. Não podia. Não dependia só de mim.



Ele responde o que é certo responder, mas percebo que se pudesse, a resposta seria outra:
- É pro bem dele, não adianta adiar a dor. A decisão só cabe a você, ele já se entregou.

A partir daquele momento um filme em preto e branco passa por diante dos meus olhos. Rabo cortado, cirurgia na orelha, injeções, cálcio, ração, vitaminas, coleira, bola, chinelos... Fotos, festas, fatos que jamais esquecerei.
 
Monólogos longos, intermináveis e incompreensíveis. Amigo, parceiro, companheiro.
Cão...
Me veio também as dores ao andar, a falta de apetite, a fraqueza, a magreza, a tristeza no olhar. Tristeza que se transformou em alivio quando percebeu que sua dor terminaria.


Fim. 13 anos se resumiram em alguns minutos. Minutos esses que vão me acompanhar pra sempre. Chamei, e ele respondeu com a mesma alegria de sempre. Levantou como se já não sentisse mais dor, se dirigiu a sala nomeada por enfermaria e "sorriu" pra mim, como se agradecesse o que eu estava fazendo.

O homem vestindo branco o colocou na maca, pulsionou uma veia, deu-lhe soro e anestésio.
Dormiu...
 
Vendo-o ali, deitado, sem se mexer, meu corpo ficou leve, minha cabeça vazia, meu coração parou de pulsar, e no lugar dele, eu deixei de existir. Bastou uma segunda injeção, para que seu coração parasse de bombear sangue.

Meu cachorro morreu, nos meus braços. Minutos de silêncio depois, a confirmação do homem vestindo branco me deu uma certa paz:
- Realmente não tinha mais jeito, ele tem um tumor no pancrêas, hepatite, aquele velho problema renal e desenvolveu uma hemorragia interna. Esteja ele onde estiver, está feliz com sua decisão.

Eu, ainda em estado de choque, sai da mesma forma que entrei: com o meu cachorro, mas em condições diferentes. Antes ele com dor e andando, agora sem dor, mas dentro de um saco preto.

É debaixo do parreiral que descansa seu corpo, é do céu dos cães bonzinhos que olha por mim. Ainda escuto seus passos pela casa, ainda tem pêlo seu nas minhas roupas.
A casa ficou grande, escura e vazia sem você. Além de cão, um grande amigo.

Obrigada pelos 13 anos de lealdade, Lesther.

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